quarta-feira, 14 de março de 2018

Envelhecer LGBT, uma realidade possível com desafios constantes.


Campanha ANA: Anyky, poderia compartilhar um pouco de sua história conosco?  Suas conquistas, desafios, enfim o desejar dividir conosco.  

Anyky Lima: Sou Anyky Lima, Travesti, tenho 62 anos, sou carioca, moro em Belo Horizonte a 32 anos. Sou Ativista LGBT, vise presidente do CELLOS-MG (Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual) e representante da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) em Minas Gerais.
Minha história de resistência começa no início da minha adolescência, quando fui expulsa de casa aos 12 anos de idade. Morei na zona (bordeis), na cidade de vitória-ES durante 8 anos, depois voltei para o rio de janeiro.  Na rua batalhei até quase os 50 anos de vida, foi então que montei uma casa, uma pensão, cálculo que na minha casa deve ter passado cerca de umas 10 mil meninas. Tiver a retificação do nome social aos 60 anos... Minha é luta cotidiana. Fui ameaçada de morte várias vezes por incentivar as meninas a abrir uma conta no banco, a poupar o dinheiro que ganhavam na batalha, a tirar documentos, a cuidar da saúde, a frequentar escola...  Comecei meu trabalho assim incentivando as meninas a acessar todos esses espaços, e muitas delas hoje, tem seu próprio salão, ganham dinheiro com outras coisas, algumas ainda continuam na prostituição. E por isso eu luto para que nós da comunidade trans sejamos reconhecidas como seres humanos.  Penso que quando as pessoas começarem a reconhecer travestis, transexuais e homens trans como seres humanos esse será um grande avanço. Claro que já tivemos algumas conquistas, costumo dizer que a gente não quer privilegio queremos acessar nossos direitos como qualquer outro grupo.     

Campanha ANA:  Desse 62 anos de vidas o que destacaria como um desafio e o que destacaria como uma grande vitória?


Anyky Lima:    Minha grande vitória nisso tudo foi ter passar por tudo que passei, ter sido expulsa de casa muito nova e não ter me contaminado com HVI, sou de uma época que a cultura da camisinha inexistia.  E sobrevivido a tudo.  Pois se vocês me perguntarem como eu sobrevivi, eu nem sei explicar.   Morei na rua, na zona e a violência sempre foi muito grande. Às vezes eu deito na cama e fico pensando como foi que consegui sobreviver... Envelhecer é muito bom mas você vê muita coisa triste, muitas amigas minhas assinadas por transfobia, mortas por HIV/AIDS.  E são poucas de nós que chegam aos 62 anos, muitas morrem antes dos 35 anos de vida, sou uma pioneira mas esse é o maior desafio, conseguir que mais travestis, trans e homens trans cheguem a essa minha idade, ou passar disso sabe? Lidar com essa violência ainda é um grande desafio.  
Na minha época o maior desafio era a polícia, eu sou da época da ditadura militar e tudo que fazíamos era motivos de ser presos. Nessa época teve situações de sermos pressas durante toda a semana, e não tínhamos como trabalhar.

Campanha ANA:  Envelhecer no Brasil é quase um sinônimo de que não se pode mais nada.  Trabalhar, se divertir, manter relações sexuais e muitas outras atividades. Você concorda com isso?   Ou isso é um preconceito dos mais jovens em relação as idosas e idosos?

Anyky Lima:  Os brasileiros são muitos preconceituosos com tudo, principalmente como os idosos. No nosso país a impressão que tenho é que nós idosos são descartados. Por exemplo na comunidade LGBT’s quando se chega dos 40 aos 45 anos, começam os apelidos (Maricona). E a população mais jovem acha que o idoso não tem direitos... Direito a dançar a se divertir, a ri, a viver e etc...  As gerações mais novas esquecem que essa pessoa idosa, seja qual for sua orientação, traz consigo uma grande carga de conhecimento.  E na comunidade trans isso fica ainda mais complicado, é uma população que vive da beleza, do corpo e quando vai se chegando a uma idade mais avançada, há um destrato muito grande à pessoa idosa.  As travestis jovens acham quem não vão envelhecer. E infelizmente é o que acaba acontecendo elas morrem muito cedo.  Mas acredito que é uma maldade muito grande essa multiplicação dessa não valorização referente aos idosos, independente da orientação.  Essas gerações esquecem amassamos muitos barro para que hoje elas estejam na esquina.  Se não fosse por nós ter aguentando diferentes tipos de humilhação e estigmas na época do surgimento da AIDS por exemplo, alguns direitos conquistados hoje como nome social, acesso à saúde, nos espaços educacionais e o próprio lugar da rua, essa mais novas não poderiam acessar. Se não fosse pelas resistência e enfrentamento das pessoas mais velhas. A beleza é efêmera, se acaba, mas o que fica é o que somos.  Minha velhice é eterna, minha juventude não foi.  Eu sou muito mais feliz hoje aos 62 anos do que aos 18 anos onde eu não sabia se iria amanhecer morta, se iria ser a próxima vítima. E hoje, eu me sinto muito mais feliz por estar passando para elas, algumas coisa boas e também aprendendo por que não sabemos tudo.  Mas essa relação entre as gerações precisam melhora.  No caso das pessoas trans idosas, não existe uma política ainda de amparo a essa pessoas nas suas velhice, por exemplo uma casa de apoio que acolha essa pessoas como elas são. Pois quando precisam elas tem que se refazer em uma identidade que não condiz com aquilo que elas lutaram para ser a vida toda.  Ou então voltam para casa da família de onde foram expulsas com a condição de só serem aceitadas conforme nasceram e muitas são obrigadas a voltar para o armário.  É possível que mais travestis envelheçam, e eu sou a prova viva disso, mas é uma luta constante para continuar se afirmando como pessoas travestis e trans.  Hoje eu consegui juntar meu corpo minha mente e minha alma no que eu sou hoje, uma senhora de idade feliz que está à frente do movimento

Campanha ANA:  Como você acha que as organizações sociais e também as pessoas podem contribuir para que mais pessoas da comunidade LGBTTs, sobretudo o grupo que menor tem expectativa de vida?  O que pode ser feito mudar esse cenário?
Anyky Lima: Acredito que tocar nessa questão da terceira idade, a velhice da pessoa LGBT. Pois quando a pessoa é nova, tudo é festa e fantasia.  É preciso refletir sobre como os jovens. Também é preciso refletir sobre as casa de apoio que hoje geralmente estão ligadas as questões religiosas e sabemos que a população lgbt não é bem vinda na sua forma de ser nesses espaços. Nesse espaço se a pessoa não condiz com seu sexo biológico não são aceita e isso acaba constrangendo fazendo com que essa população se afaste de apoios que são necessários para sua sobreviver com dignidade.  Por exemplo quando pessoas travesti e trans são dependentes químicos, não são aceitos nessas organizações de apoio. Já vi situação de profissionais não atenderem uma travesti alegando que não estava com a roupa adequada. Acredito que o mais importante é o atendimento e não como ela ou ele está vestido.    Isso faz com que as pessoas se sintam um lixo... Penso que precisamos sim pensar nas novinhas que estão na rua, sofrendo sendo assassinadas e dar toda a orientação, mas também é preciso cuidar daquelas que conseguiram sobreviver e as organização tem que ser esse espaço que elas sejam tradadas com dignidade, de uma maneira humana.  E as travestis diferente do que muitos pensam elas sofrem de várias doenças, não só com HIV/AIDS. Tem Pressão alta, Parkinson, doenças da velhice sabe? E na maioria das vezes não são bem tratadas.  E quando as meninas são novas elas geralmente conseguem seus dinheiros, já as com mais idade quando consegue a duras penas ter uma casa e dali tirar seu ganha pão é chamada de cafetina, ou seja volta a ser marginalizada.  Hoje existe algumas organizações de apoio como o Ministério Público as ONGS que tentam de alguma maneira auxiliar todas nós, muitas vezes é demorado por que ainda estamos nesse lugar de marginalizadas. E as organização precisam pensar sobre essa população de Travestis e Trans para que possamos tirar essa comunidade da margem da sociedade.

Campanha ANA:  E para os adolescentes e jovens, sobretudo aqueles que estão descobrindo suas identidades afetivas e sexuais qual a dica o conselho que deixaria? 

Anyky Lima:  O que eu digo para todas (os) adolescentes que é preciso ocupar os espaços de tomada de decisão. Precisam se posicionar para que a gente avance. Mas com muito cuidado e não ser agressivos nessa construção.  Outro ponto importante é dizer da prevenção. Que se previnam, pois não só do HIV/AIDS mas de várias outras doenças. Meu recado é dizer para a pessoas mais jovens que vivam uma vida plena, cuidando do corpo, da alma e ocupando os espaços e se colocando sempre na luta. Curta a vida com sabedoria e não se esqueçam de oportunizar na luta cotidiana caminhos e espaços para mais pessoas travestis e transexuais. Sem "closes", porque nossa luta é por acesso a direitos e deveres para todas.


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